sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O referendo inglês I

Anuncia-se portanto o referendo inglês. Compreendem-se as necessidades de curto prazo de natureza eleitoral do governo inglês ao fazer essa promessa – afinal queria ganhar as eleições. «Paris vale uma missa». Seja. Mas qual vai ser o cenário que se segue?

Dizem boas ou más-línguas que o senhor primeiro-ministro britânico vai apoiar o «sim» à permanência na União Europeia, e que em suma apenas faz o referendo para que o povo britânico se possa pronunciar. Seja, igualmente.

Mas como velho aprendiz de feiticeiro do nosso Goethe, talvez esteja a mexer em fenómenos que o ultrapassam. O custo de uma vista curta pode ser um problema longo.

Vejamos então os cenários possíveis: ou ganha o «não», ou ganha o «sim». Em suma, ou a Inglaterra sai da União Europeia, ou não sai.

Se a Inglaterra sair, e então? Não é bom para a União Europeia, é certo. Perde dimensão, fica uma ferida mais a juntar ao problema grego. Nada na vida é só bom ou só mau. Seria ridículo dizer que a saída da Inglaterra seria inócua para a União Europeia. Tem tido um papel muto importante na maior integração europa, nem que seja por contraste. Os países mais eurocépticos, perante o exagero britânico, tendem a afastar-se desse rumo e ficam mais eurófilos. Mas a verdade é que a União Europeia não perde a sua capacidade de expansão. Há ainda países dos Balcãs e eventualmente pode centrar as relações com a Rússia. A vida coloca problemas, mas dá soluções. E o peso que tem a Inglaterra na União Europeia não é comparável com o peso que a União Europeia tem no Reino Unido.

Mas que custo teria o Reino Unido? Em termos internacionais, a aliança privilegiada com os Estados Unidos poderia ficar efectivamente incólume (com todos os seus malentendidos e ressentimentos, é certo), mas um dado duro, frio, objectivo, impor-se-ia: o Reino Unido sozinho não teria peso bastante para ser parceiro significativo dos Estados Unidos. Manter-se-ia como aliado, mas a União Europeia em proporção seria um aliado bem maior, mais estratégico, mais relevante. A vida é dura e cada um tem o tamanho que pode. As relações com a Europa não terminariam, mas o Reino Unido perderia direito de voto na regulação europeia e, sendo muito mais pequeno que a Europa, acabaria por ficar bem mais dependente do que outros decidissem que se estivesse dentro a União Europeia. Para um país que, não entrando no euro, queria ter lugar marcado no directório do euro caso entrasse, seria rude golpe.

Lançando-se numa expansão mais livre na aparência, apenas somaria a uma maior irrelevância do lado esquerdo a uma maior submissão do lado direito.

Internamente tal saída não sairia de graça para o Reino Unido. Os escoceses deixaram bem claro que se querem manter na União Europeia. Tendo a Inglaterra dado o exemplo, um futuro referendo escocês não seria tão certo a favor a manutenção da União britânica, desde que a Europa não colocasse entraves à adesão da Escócia, como antes fez. O País de Gales, mais pobre e mais explorado (não são nunca os mais fracos quem reclama, já o sabemos), poderia começar a ver-se tentado pela solução escocesa. E a longo prazo teríamos uma Inglaterra reduzida ao que é: Inglaterra. O que não é nada mau, mas é pouco no mundo actual.

Mas nas zonas que não fariam secessão o mal-estar aumentaria. O Norte de Inglaterra, mais pobre, poderia começar a levantar problemas, e a insatisfação social e as divisões regionais poderiam acentuar-se.

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