terça-feira, 17 de janeiro de 2017

É a China imperialista?



 

Uma deliciosa criatura, mostrada como ressumando intelectualidade, é apresentada num programa de rádio. Português vivendo na China, ilumina-nos com a sua infusa sapiência que reduz a uma frase: «O que é espantoso é que, se bem virmos, a China nunca foi expansionista nem imperialista».

É realmente espantoso. Não o que se espanta diz mas que não se espante com o que diz.

Nem vale a pena falar das tentativas de expansão da China para a Ásia Central. Ainda hoje em dia há turco-mongóis no Ocidente da China. Seria útil perceber como os chineses dominam turco-mongóis. Nem vale a pena falar do que acham historicamente os coreanos da ausência de espirito expansionista dos chineses.

Também nem vou falar da expansão chinesa junto dos países europeus mais fracos, como forma de entrada em sectores estratégicos da Europa. Portos, bancos, energia, indústria de luxo italiana e francesa. Poderiam ser dados muitos exemplos.

Basta pensar no que hoje em dia se passa. E passa-se de forma tão evidente que merece apenas referência. Vejamos quatro situações:

1)      Taiwan. Foi colonizado no século XVII pelos chineses. Só depois dos portugueses e dos holandeses. A pretensão chinesa a Taiwan é bem mais fraca que a pretensão portuguesa a Angola. Qual a diferença? Os chineses usaram a técnica que usaram mais tarde no Tibete. Invadiram a ilha com a sua população, tornaram irrelevante a originária população austronésia, e transformaram-se na maioria demográfica. Caso houvesse cinquenta milhões de portugueses a invadir Angola, Portugal teria maior pretensão a deter Angola que a China a deter Taiwan. A Europa é colonialista, mas a China sofre muito por o seu território ter sido dividido por um mero acaso histórico. Que sentido de justiça.

2)      Tibete. A doce criatura não reparou que o Tibete é fruto de conquista? Como fizeram com Taiwan, invadiram o território fazendo com que a maioria da população fosse chinesa, Han.

3)      China ocidental. O mesmo tratamento está a ser feito em relação à China ocidental em que os Uigures, turco-mongóis, estão aos poucos a tornar-se em minoria no seu próprio território.

4)      Mar da China. O Mar da China chama-se assim, não por ser chinês, mas porque os europeus por simplicidade chamaram-no assim. As exigências da China, da tão pouco expansionista China, no Mar dito da China preocupam profundamente as Filipinas, a Coreia, a Birmânia, e o Japão. Decidiram que, dado que os europeus o chamaram «da China», deveria ser chinês. E fazem avançar barcos militares impedindo as pescas e a possessão de terras ancestrais por parte dos outros povos.

É evidente, há sempre bons argumentos. A China tem uma grande população. Coitadinhos, precisam de sítio onde a colocar. Já vimos argumentos compulsivos como este na História. A teoria do Lebensraum é um bom exemplo.

Mas se compararmos com a Índia, verificamos que não é a população que o impõe. A Índia tem 1,2 mil milhões de pessoas, com uma densidade populacional de cerca de 326 pessoas por km quadrado num território de 3,2 milhões de quilómetros quadrados. Quais são os valores da China? 9,6 milhões de km quadrados de território. 1,3 mil milhões de pessoas. Qual a densidade populacional? 139 pessoas por km quadrado. Se este fosse um argumento legítimo, teríamos de deixar a Índia conquistar cerca de seis milhões de quilómetros quadrados. Talvez destruindo o Paquistão, e conquistando uma boa parte da Asia Central.

A questão não é a de dizer bem ou mal dos chineses. Este caso dá-nos duas lições:

1)      Os chineses não são melhores nem piores que os outros povos. Quando têm poder usam-no e querem-no aumentar. São tão expansionistas quanto os outros povos são.

2)      Com a ideologia do ódio de si, os europeus sentem as pretensões da China ou legítimas (Taiwan, China ocidental), ou aceitáveis (Tibete) ou apenas desconfortáveis (Mar da China).

No que respeita ao cachopo que vive na China, já o sabemos: padece do mal europeu, de achar que os outros povos vivem sem pecado, fora da História, e acha que só o europeu padece do pecado original. Deglutiu o cristianismo pelo orifício errado, e por isso é natural que nos presenteie com consistente resultado.
 
Alexandre Brandão da Veiga

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